Por que o governo brasileiro teme tanto os protestos no Chile?
Desde que começaram os protestos de milhões de pessoas no Chile, o governo brasileiro vem perdendo sua referência econômica na América do Sul. O filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegaram até a ameaçar com a volta do principal instrumento de repressão da ditadura militar, o AI5. Esse ato institucional permitia, entre outras coisas, ao ditador de plantão, fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos parlamentares, demitir juízes e até decretar estado de sítio quando quisesse. Além de suspender o instrumento do habeas corpus para crimes políticos.
Mas por que tanto barulho e tanto medo do governo? O raciocínio é simples. Desde que assumiu, todas as medidas tomadas na área da economia se parecem com o que levou aos protestos no Chile, que é retirar dinheiro dos mais pobres e concentrar renda nos mais ricos.
O primeiro ponto foi a reforma da Previdência. Dos cerca de R$ 1 trilhão falado de economia, mais de 70% sairão das costas dos trabalhadores do setor privado, principalmente dos mais pobres. Efeito que já começará a partir de 2020. Sem contar que a segunda parte do plano é fazer um regime de capitalização, em que cada um teria uma conta num banco privado e só receberia de aposentadoria o que tivesse economizado, com altas taxas cobradas pelos bancos.
Justamente o modelo que tem o Chile como exemplo do que deu errado. Pra ter ideia, a média de aposentadorias pagas no Chile, em agosto deste ano, foi de 220 dólares, cerca de metade do salário mínimo do país, de 422 dólares.
Outro ponto é que o Chile é o laboratório das políticas neoliberais desde a ditadura Pinochet, que o ministro Paulo Guedes tanto defende, e que geraram um país rico, na média da América Latina, mas com uma das maiores desigualdades sociais do planeta. O 1% mais rico da população fica com 24% do PIB. Segundo a Escola de Economia de Paris, é a terceira maior fatia apropriada pelos mais ricos, só menor do que o Catar (29%) e o Brasil (28%).
Outro ponto importante é que no Chile praticamente todos os setores foram privatizados. Venderam as empresas de água, luz, gás, o serviço de educação, saúde, aposentadoria, medicamentos, o transporte… Da mesma forma que o governo Bolsonaro e Paulo Guedes querem fazer no Brasil.
Por isso a revolta dos chilenos, que começou com protestos contra o aumento de passagem de transporte coletivo, mas tem pobreza e desigualdade por trás, tem muito a ver com a situação brasileira. E por isso assusta tanto o governo federal. Depois de muitos discursos e desculpas, a população começa a sentir na pele quanto perdeu. E daí se volta contra o governo.
No Chile, a resposta do governo de Sebastián Piñera foi violenta. Mais de 20 pessoas foram mortas por conta dos protestos. Por aqui, a ameaça é a mesma. Se os pobres, estudantes e movimentos sociais protestarem, vem repressão, AI5 etc, para manter um sistema injusto e excludente.
Felizmente, encontramos luzes no fim do túnel, no Chile depois das manifestações populares nas ruas será realizado um plebiscito para elaborar uma nova Constituição, que substitua a Carta da época da ditadura de Augusto Pinochet em vigor hoje.
E no Brasil, até quando permitiremos sem reagir que a Amazônia seja queimada e as medidas de combate ao incêndio não sejam adequadas e tomadas depois do prejuízo causado? Que o óleo tome conta das nossas praias sem uma justificativa plausível e nenhum ação de limpeza contundente? Que continue havendo cortes na educação e na pesquisa científica do País, que a Seguridade Social seja totalmente acabada com estas reformas nefastas, principalmente para quem mais precisa de proteção, que adotemos uma política internacional unilateral e subserviente aos Estados Unidos, que não haja o desmantelamento de políticas públicas inclusivas. Até quando?