A vida, por vezes, nos presenteia com imagens que se gravam na alma. Recentemente, uma cena em especial me marcou profundamente: torcedores do Paris Saint-Germain (PSG), ao comemorarem o título inédito da Liga dos Campeões, abriram um bandeirão com a imagem do técnico Luis Enrique fincando uma bandeira no gramado ao lado da filha, Xana. A imagem fazia alusão a um momento semelhante, em 2015, quando ele, então técnico do Barcelona, comemorou outro título com a filha nos braços. Em 2019, Xana faleceu, vítima de um câncer, e aquele gesto simbólico no estádio não era apenas uma lembrança — era um tributo carregado de amor e presença.
Foi um momento agridoce, onde celebração e saudade coexistiram. Aquela imagem me atravessou. Trouxe à tona minhas próprias cicatrizes, as marcas deixadas pela partida daqueles do meu núcleo familiar mais próximo: a perda do meu pai, da minha mãe, das minhas duas irmãs e, especialmente, do meu irmão — companheiro inseparável de vida, viagens e confidências.
Desde o triste comunicado da morte de Xana, acompanhei com admiração a postura de Luis Enrique. Como pai, sei o quanto seria avassalador viver tal dor. A dignidade com que enfrentou o luto público me marcou. E, como torcedor apaixonado do Barcelona, que vibrou com Messi em cada jogada, cada título, cada momento mágico que ele e o time — sob o comando de Guardiola e, depois, do próprio Luis Enrique — nos proporcionaram, confesso que, mesmo com a rivalidade natural, me senti profundamente tocado pela jornada de superação do PSG.
Aquela cena no estádio representava mais do que a conquista de um título. Ela expôs uma das maiores verdades da vida: a capacidade de encontrar alegria e propósito mesmo após perdas profundas. Ver Xana simbolicamente presente naquele momento foi mais que uma homenagem — foi uma afirmação de que os que amamos seguem vivos em nós, inspirando nossos passos.
A trajetória do PSG também refletia superação: a saída conturbada de Mbappé, os desafios internos, o reencontro do time com um jogo coletivo. Talvez, sem saber, o próprio Luis Enrique tenha projetado no grupo a mesma resiliência que precisou encontrar em si. E isso me tocou, porque entendi: ninguém vence nada sozinho — especialmente a dor.
Minha jornada de luto foi igualmente árdua. Perder tantos entes queridos em um curto espaço de tempo foi como ser arrastado por uma onda gigante. Meu pai, meu companheiro de tantas histórias; minha mãe, farol de afeto e força; minhas irmãs, cúmplices de vida; e meu irmão, meu outro eu. Com ele, dividi tudo: os sonhos, os risos, os planos. Sua ausência deixou um silêncio ensurdecedor. Por muito tempo, senti que parte de mim havia partido junto com ele.
O luto me aprisionou num ciclo cruel de culpa e remorso. “E se eu tivesse feito mais?” era a pergunta constante. A voz interna me cobrava por ligações que não fiz, abraços que não dei, palavras que não disse. A impotência diante da morte é devastadora. E o remorso, esse companheiro indesejado, pesava como um fardo invisível, impedindo qualquer passo adiante.
Mas aquela cena do estádio — Luis Enrique e Xana, mesmo que apenas em imagem — me despertou para algo essencial: a memória dos que partem não precisa ser um peso. Pode ser impulso. Não é o fim que define uma história, mas o amor que a preencheu. Com o tempo, comecei a aceitar a morte não como um erro, mas como parte da experiência de estar vivo. E mais: como convite à gratidão por tudo que foi vivido.
Esse processo de cura não foi imediato. Foi gradual, duro, mas transformador. Aos poucos, as correntes da culpa se romperam. As lembranças deixaram de ser espinhos e passaram a ser flores. Risos, conselhos, momentos compartilhados — tudo isso se tornou tesouro. Aprendi a ver a ausência não como um buraco, mas como um espaço sagrado onde repousam as memórias mais preciosas.
Enxergar a ausência não como uma lacuna a ser preenchida, mas como um espaço onde residem as lembranças mais valiosas, transformou minha relação com o luto. Como bem disse o escritor C.S. Lewis: “A dor da perda é a prova de que o amor existiu.”
Honrar quem se foi não é cultivar a tristeza, mas celebrar o legado de amor e as experiências compartilhadas. A cena emocionante no jogo do PSG é testemunho disso: o amor transcende o tempo, o espaço — e transforma.
E assim, ao lembrar de Luis Enrique e sua filha, volto também aos meus — meu pai, minha mãe, minhas irmãs, meu irmão — cujas presenças seguem vivas em mim. Nos sabores que herdei, nos gestos que repito, nas músicas que ouço e nas palavras que ainda me orientam. Com eles aprendi a amar intensamente, a viver com entrega, e sigo com a certeza de que continuam fazendo parte de tudo o que sou.
E você? Como lida com as memórias de quem partiu? Elas são um fardo ou uma fonte de inspiração para você?
Que testo maravilhoso, Fabio! Eu, assim como você, perdi pai e mãe em pouco tempo, e também muitos tios que sempre foram presentes na minha vida e na minha formação. Posso dizer que procuro exercitar a gratidão, os ensinamentos e as lembranças dos momentos maravilhosos vividos com eles, mas não é fácil, o processo é lento. Obrigada por essa reflexão tão necessária! ????????????✨️
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