
Os efeitos econômicos e sociais da pandemia do novo coronavírus
são mais ou menos comuns a todos os países – retração
econômica, aumento do desemprego, entre outros –, mas as
consequências políticas variam de país para país. Em nações com
democracia consolidada, como Alemanha, França, Itália, Espanha
e até mesmo os EUA de Donald Trump, a tendência é que a
excepcionalidade das medidas restritivas adotadas pelos
respectivos governos desapareça junto com o fim da ameaça da
covid-19. Já governos com sistemas políticos mais centralizadores
e mais autoritários, como China, Rússia, Hungria e Turquia,
tendem a possivelmente aproveitar a oportunidade da emergência
sanitária para aumentar seu arsenal discricionário sobre a
sociedade e consolidar seu poder principalmente sobre a
vigilância dos indivíduos.
O Brasil poderia ser listado nesta segunda categoria, pois somos
um daqueles países em que a democracia representativa ainda não
morreu, mas está seriamente ameaçada pela ascensão da extrema
direita populista ao poder. No entanto, o isolamento político de
Jair Bolsonaro, que se agravou com a chegada do coronavírus ao
Brasil – o presidente atacou o Congresso Nacional, o Judiciário e
se indispôs com a maioria dos governadores –, impediu, até
agora, que seu governo utilizasse a crise para minar as instituições
democráticas, como aconteceu na Hungria e na Turquia.
A instabilidade política e institucional do Brasil não nos autoriza
a supor que esse isolamento de Bolsonaro seja permanente, nem a
esperar que o que resta de democracia no país resista
indefinidamente à escalada fascistizante do bolsonarismo, já que
tem apoio em setores do empresariado, da mídia, das Forças
Armadas e de parte da população. Se, no entanto, conseguirmos
resistir à essa tentação autoritária, teremos que repensar o modelo
de desmantelamento do Estado prescrito pelo receituário
neoliberal. Se essa pandemia serviu para alguma coisa, foi para
mostrar a necessidade de investimentos maciços em serviços
públicos de qualidade e em estratégias de reindustrialização
baseadas em tecnologia e inovação. Ademais que não a
alternativa que não seja um estado forte, com políticas públicas
efetivas e que comprove o já agonizante neoliberalismo. Estas são
as lições que deveríamos ter tirado da crise de 2008-2009, mas
não o fizemos. Que dias melhores venham.