Recentemente, durante minha recuperação pós-cirurgia no braço, entre repousos e noites mal dormidas, descobri que até as cicatrizes sabem contar histórias — e foi nesse compasso que voltei a olhar para os livros da minha biblioteca como quem busca respostas antigas para perguntas novas.
Enquanto revisava alguns volumes na estante, deparei-me com Para Gostar de Ler – Crônicas, Volume 5. Ao manuseá-lo, encontrei o belíssimo texto de Fernando Sabino, A Última Crônica. Eu já havia escrito sobre ele em outro artigo, O Encontro do Vaqueiro com o Asfalto.
Esse encontro me fez lembrar de outro livro de Sabino, presente de um amigo que eu nunca tinha lido. Procurei na estante e comecei de imediato. É curioso como, nesses momentos de inflexão, surge um desejo incontido de concluir o que ficou inacabado, adormecido em nós. Era um exemplar antigo, com a capa já amarelada e as páginas impregnadas de cheiro de tempo, datado de 1956: O Encontro Marcado.
À primeira vista, pode soar estranho que um romance escrito há quase 70 anos ainda dialogue tão bem com a nossa vida ultradigital. Mas, no centro da obra, encontrei uma frase que resume perfeitamente uma angústia contemporânea: a dificuldade de lidar com múltiplas opções de escolha.
Com uma sabedoria que atravessa décadas, Sabino escreveu, no monólogo interior de Eduardo, o protagonista:
“O diabo desta vida é que, entre cem caminhos, temos que escolher apenas um, e viver com a nostalgia dos outros noventa e nove.”
Pare por um instante: você já se sentiu paralisado diante de uma decisão, por mais simples que fosse? Já passou mais tempo rolando o catálogo de filmes do que assistindo a algo? Mudou de curso, de emprego, de cidade, sempre com a sensação de que havia uma opção melhor logo ali?
É exatamente disso que Sabino falava — e é nessa armadilha que caímos diariamente.
Durante décadas, aprendemos que mais opções significavam mais liberdade e, portanto, mais felicidade. A realidade, no entanto, mostra outro cenário. O que antes parecia poder se transformou em prisão silenciosa, um labirinto que nos paralisa e nos deixa insatisfeitos.
Esse fenômeno tem nome: o paradoxo da escolha infinita.
A ciência já comprovou: quanto mais opções temos, menor a chance de escolher — e, depois de decidir, menor a satisfação com o resultado. Um experimento mostrou que pessoas expostas a 24 sabores de geleia compraram dez vezes menos do que aquelas que viram apenas seis. O excesso de possibilidades não só nos bloqueia, como cobra um preço biológico.
Cada decisão, por menor que seja, exige energia do cérebro. Com a avalanche de escolhas diárias — desde qual série assistir até qual caminho profissional seguir —, surge a chamada fadiga de decisão. Resultado: procrastinação, escolhas ruins feitas apenas para aliviar a angústia e uma sensação constante de exaustão.
E ainda há o efeito colateral: a impressão de que “poderíamos ter feito melhor”. Com tantas opções, a grama do vizinho parece sempre mais verde, e nunca nos sentimos plenamente satisfeitos. Afinal, como ter certeza de que escolhemos a melhor alternativa entre milhares?
O erro silencioso da nossa geração é confundir excesso com poder. Mais cursos, mais likes, mais aplicativos, mais metas, mais caminhos… e, no fim, mais vazio.
A verdadeira liberdade não está no número de portas abertas, mas na coragem de atravessar uma. Ela nasce da limitação consciente. Em vez de buscar mais opções, precisamos de mais critério para escolher. Menos abas abertas, menos comparações, menos peso mental.
Escolher menos é criar espaço para viver mais. É focar na qualidade, não na quantidade. É finalmente encontrar clareza e confiança para seguir em frente.
E se o paradoxo não estiver na infinidade de escolhas, mas na nossa incapacidade de aceitar que a escolha que já fizemos é suficiente?
Na dúvida, sempre escolho aquela que vai me trazer paz. Ai eu sei que fiz a escolha certa.