Existem madrugadas que parecem suspensas no tempo. Para mim, elas são quase uma rotina. Enquanto o mundo dorme — e eu não —, o silêncio se transforma em território fértil para reflexões. É nesse intervalo entre a noite e o dia que costumo cozinhar, ler, escrever, estudar ou simplesmente reorganizar a casa. Foi em uma dessas vigílias solitárias que assisti a Pobres Criaturas, um filme que me atravessou como poucos.
A narrativa me levou a refletir sobre a gestão consciente do tempo — tema central deste artigo. A personagem Bella Baxter vive cada experiência com intensidade rara, e sua postura diante da vida me provocou profundamente. Em especial, um diálogo no navio, com Duncan Wedderburn, resume essa visão:
Duncan: “Você tem que se comportar. Não pode simplesmente fazer o que quer. As pessoas estão olhando.”
Bella: “Eu quero ver o mundo. Quero provar tudo!”
A força desse diálogo não está na complexidade, mas na simplicidade e na honestidade. A “sede de viver” de Bella contrasta com a dispersão e o consumo rápido de informações do nosso tempo. Para ela, cada instante é um mergulho, e viver não significa produzir mais, mas experimentar com profundidade.
Assisti ao filme durante minha recuperação de uma cirurgia na mão. Foram 13 parafusos e três placas que me impuseram uma “pausa forçada” — e, com ela, um mergulho interior. Longe do ritmo acelerado da rotina, pude refletir sobre a essência do tempo e sobre como o dedicamos. Essa experiência, somada ao impacto da obra, reacendeu em mim uma pergunta urgente: como estamos gerindo o nosso tempo em um mundo cada vez mais acelerado?
As redes sociais, com vídeos curtos e interações instantâneas, nos condicionam a valorizar a brevidade em detrimento da profundidade. Essa cultura da pressa nos rouba as longas conversas, a plena vivência das emoções, a dedicação às coisas que realmente importam. Em um tempo escasso e segmentado, quanto dele destinamos, conscientemente, ao que verdadeiramente nos enriquece?
Vivemos sob um bombardeio constante de estímulos. A atenção virou moeda rara. Em segundos, pulamos de um vídeo a uma notícia, de uma mensagem a um e-mail. Essa agilidade pode parecer necessária, mas tem um preço: o fracionamento do foco.
É nesse contexto que a pergunta “quanto tempo?” se torna essencial. Não basta medir a duração de uma atividade. É preciso escolher, deliberadamente, onde investir o tempo. Essa escolha define a profundidade da experiência: dedicar-se a um livro, a um projeto, a uma conversa é optar pela qualidade em vez da quantidade.
Decidir onde colocar o tempo é um ato de autonomia em meio às distrações. É resistir ao próximo clique e reconectar-se com a presença. O tempo que damos a algo é o tempo que deixamos que esse algo nos transforme. E, no fim, gerir o tempo não é apenas uma questão de produtividade, mas de significado: de como construímos uma vida que faça sentido.
Como disse Mario Quintana: “O tempo não para, mas o que fazemos com ele, isso sim, está em nossas mãos.”
Diante disso, deixo uma inquietação: qual será o destino do nosso tempo — e, por consequência, da nossa humanidade — em um futuro moldado pela fragmentação e pela inteligência artificial? Se a IA dita o que consumir, ver ou sentir, será que teremos força para manter a autonomia? Ou entregaremos o leme da vida a sistemas incapazes de compreender a complexidade das nossas emoções?
Boa reflexão