A vida é uma sucessão de ciclos. Quando concluí a primeira fase do ensino fundamental e fui para a quinta série, vivi algo que carregava em mim uma expectativa enorme: o primeiro contato com a caneta de quatro cores e com o caderno de dez matérias. Não foi apenas a troca de material escolar; foi o encontro com um mundo mais complexo e multifacetado e, na minha mente infantil, o primeiro vislumbre de uma vida mais adulta. Como depois eu quis voltar à simplicidade daqueles anos iniciais! Só mais tarde percebi que aquela passagem simbolizava um novo modo de lidar com a realidade, onde a simplicidade cedia lugar à diversidade. Era um microcosmo da vida adulta, onde precisamos conciliar múltiplas tarefas e expectativas. Aquele ano foi meu primeiro treino para a longa jornada que viria.
Voltar àquele momento ainda me enche de emoções. O primeiro dia de aula, a descoberta de cada professor, a organização das disciplinas no caderno — duas para Matemática e duas para Português, as que mais pediam escrita —, a escolha das cores da caneta conforme o assunto e a importância. É impressionante como detalhes tão simples permanecem gravados. Talvez por isso seja tão importante viver com afinco cada instante, porque o amanhã pode ser tarde.
Mais adiante, o tempo trouxe desafios ainda maiores. Sofri acidentes que me roubaram a autonomia por um período. Neste último, após dois meses de recuperação e uma cirurgia no braço, recebi do ortopedista a liberação para retirar a tala e voltar a movimentá-lo. As dores ainda são companheiras indesejáveis, mas fazem parte do processo. Há pouco consegui amarrar o cadarço do sapato. Ufa! Um gesto corriqueiro, mas que naquele dia se tornou marco de superação. Sei que outros virão. Essas situações nos lembram de que, mesmo nas fases mais difíceis, há sempre progresso — mesmo que lento.
A vida moderna também impõe desafios parecidos com os de nossas transições pessoais. A tecnologia, por exemplo, é como aquela caneta de quatro cores: uma ferramenta poderosa que abre horizontes. Mas, assim como exigia escolher a cor certa em cada momento, hoje precisamos escolher o que de fato merece nossa atenção em meio ao mar de informações. A complexidade do mundo atual, com sua enxurrada de dados e a velocidade das mudanças, é o equivalente à passagem para a quinta série: somos forçados a abraçar a diversidade e a administrar múltiplas “disciplinas” ao mesmo tempo.
E assim como na recuperação de um acidente, a sociedade também atravessa suas próprias crises — pandemias, instabilidades econômicas, desafios ambientais. Nesses períodos, a esperança e a resiliência são nossas assinaturas: o gesto que prova nossa capacidade de nos reerguer. Cada passo, cada desafio superado, cada cadarço amarrado reafirma que a vida é feita de crescimento e de adaptação constante.
“A vida não é medida pelo número de vezes que respiramos, mas pelos momentos que nos tiram o fôlego.”
— Maya Angelou
Essa frase ecoa o que busco dizer: a vida não se define pela rotina automática, mas pelos momentos simples que se tornam eternos. A caneta de quatro cores, a transição para a quinta série, a vitória de amarrar um cadarço após uma cirurgia — todos roubam o fôlego porque são marcos de crescimento e superação.
E você, quais momentos simples ainda iluminam sua memória?